terça-feira, 7 de abril de 2009

Diagnóstico psicopedagógico: avaliação do aluno ou da escola?"

Diagnóstico psicopedagógico: avaliação do aluno ou da escola?"
Maria Lúcia Lemme Weiss
No momento em iniciamos um diagnóstico psicopedagógico e exploramos a história escolar do paciente, afloram, também, questões ligadas à escola e à família.
Por diferentes razões, as crianças ingressam nas instruções escolares cada vez mais cedo, nela permanecendo na maior parte do dia no chamado "tempo integral". Instalou-se uma etapa, que, por necessidade familiar, antecede o 1º grau de escolaridade formal, encarregado da transmissão de conteúdos programáticos formalizadas de matemática, português, geografia, etc. O que pensar quando a criança ingressa em determinada escola aos 3 anos e somente aos 10, 11 anos a escola afirma que ela tem problema de aprendizagem? Podemos levantar alguma hipóteses:
1º) a criança, ao ingressar na escola, já tinha dificuldade para aprender e tal fato não foi observado pela escola, ao longo dos anos; 2º) a dificuldade de aprendizagem da criança se agravou ao longo da pré-escola e das séries iniciais do 1º grau, só sendo percebida pela escola, por exemplo, quando chegou à 4ª série; 3º) a dificuldade de aprendizagem formou-se dentro do ambiente escolar. Esta mesma escola passa a penalizar o aluno, a exigir providências da família, sem assumir a sua participação direta do fato; 4º) a criança não tem dificuldade de aprendizagem, mas vive em crise temporária que pode acarretar o fracasso escolar. Estas crises podem estar ligadas a alterações no sistema familiar ou escolar; mortes, mudanças de residência, de escola, de professor, separação dos pais, etc. Muitas vezes, a Escola não sabe lidar com estas crises, e agrava a situação, contribuindo mesmo para a formação de dificuldades na aprendizagem.
Analisado a história escolar da criança, consideramos alguns aspectos. A reação da criança à situação escolar, como nas relações afetivas com as diferentes escolas, turmas, professores, etc. Para melhor compreensão de sua inserção no ambiente escolar, torna-se indispensável, sempre que possível, fazermos a analise do funcionamento destas escolas: sua estrutura, ideologia, procedimentos pedagógicos e avaliativos, ou seja, como realmente essa escola produz o conhecimento. Esta análise envolve a avaliação de aprendizagem na escola, assim como a avaliação da escola.
A pré-escola, como escola, já é um espaço de construção do conhecimento em ambiente facilitador do desenvolvimento. Pode formar crianças, que irão para a etapa da alfabetização, autônomas, críticas, criativas, ou, ao contrário, dependentes, estereotipadas, com aversão ao trabalho escolar. Esta trajetória anterior deve ser considerada, numa avaliação psicopedagogica, com bastante cuidado pois, em alguns casos, a dificuldades de aprendizagem surgida em séries escolares avançados tem sua origem em formações reativas à instrução escolar nos primeiros anos de vida.
A forma de avaliar o aluno reflete como se organiza a ação pedagógica da escola: se ela tem, ou não, filosofia de educação coerente e definida, sabe que tipo de homem quer formar; se tem uma diretriz geral de trabalho, que envolva o planejamento em diferentes níveis, e assim, se reflita "no fazer" e "na cobrança" em sala de aula . Pois é a partir dessa cobrança formal, institucional, que são definidos parâmetros em relação aos quais a escola aponta "dificuldades de aprendizagem" na criança e faz o seu conhecimento para diagnóstico psicopedagógico.
Na avaliação escolar feita através dos instrumentos usuais como provas, testes, trabalhos, específicos, etc., existe uma questão básica a ser considerada que é o "erro" enquanto parte do processo de construção do conhecimento. Não pode o professor ter considerado apenas o produto final, a palavra ou número colocado ou a cruzadinha marcada. É necessário compreender o processo mental que o aluno usou nesse caso específico. Localizar a falha processual deve ser a preocupação maior do professor. Examinemos situações que ocorrem amiúde. A propósito de um problema de matemática cabem indagações do tipo:
1º) a leitura foi boa, em nível que permitisse a possível compreensão do texto?2º) o aluno soube ler bem, compreendeu, apreendeu realmente o problema? 3º) possui informações matemáticas que permitam desenvolver o raciocínio necessário?4º) foi capaz de mobilizar essas informações já adquiridas para situação presente?5º) conseguiu organizar os dados do problema com as informações que possui?6º) conseguiu aplicar a forma de raciocínio necessário ao problema?7º) realizou corretamente os cálculos? 8º) mobilizou a rotina necessária à formulação, à apresentação escrita do desenvolvimento e do resultado?9º)colocou a resposta no momento de transcrever o resultado?10º) trocou o número da resposta no momento de transcrever o resultado?
Outro aspecto da questão ligada aos erros em matemática está no significado inconsciente de fatos e operações matemáticas. O que sentirá a criança quando precisar juntar, separar, retirar, lidar com a falta, o "a mais", o "a menos", dividir com, aumentar para, multiplicar, pertencer a dois grupos ao mesmo tempo ( aduas famílias), etc. A própria matemática traz um conjunto de normas, regras, axiomas, postulados, teoremas, ou seja, "leis" precisas, que às vezes podem ser inconscientemente associados à "lei" familiar.
Em todas as disciplinas, pode haver projeções em relação a questões não elaboradas na dinâmica familiar e termatizadas negativamente em relação à profissão dos pais. Por exemplo, o aluno com horror a matemática, esta seria representante do pai engenheiro, calculista ou, a menina com problemas de comunicação oral e escrita, filha de professora de português e literatura.
Num exemplo de prova de história, poderíamos levantar perguntas semelhantes; o aluno foi capaz de:
1º) ler e compreender o texto histórico que serve de ponto de partida para as questões formuladas a seguir? 2º) mobilizar informações históricas que permitissem compreender o significado do texto e a relação com as questões?3º) estabelecer relações lógicas entre os fatos históricos? 4º) estabelecer relações temporárias e especiais entre os fatos e personalidades históricas?
Relembro o caso Jorge, 12 anos, aluno da 5ª série, reprovado duas vezes em História. Para desespero da escola e da família, ele ia bem em outras disciplinas. Ficava a pergunta: porque História? Serias a troca de escola, de professor? Não, a questão situava-se na construção subjetiva do tempo-realidade. Jorge recebeu o mesmo nome de seu avô, que por sua vez era nome de praça importante no Rio de janeiro. Tornou-se muito difícil para ele "olhar para trás", ver os outros e a si próprio, sentir a dimensão do tempo passado do avô até ele: rejeitava completamente os marcos temporais familiares. Foi necessário reconstrução temporal e reformulação da "história familiar" e da "própria história" para que a História universal fosse assimilada.
Como na avaliação em História o fundamental é a construção temporal, em Geografia o básico está na construção espacial.
Quanto à construção subjetiva e objetiva do espaço, é comum encontrarmos entre os alunos filhos de migrantes do interior do nosso estado, ou de estados do nordeste, certa confusão nessa área. Costumam ter dificuldades na localização geográfica, acidentes físicos e outras questões propostas ligadas à ocupação sócio-econômico-cultural da terra.
Muitas vezes, o erro em Ciências Naturais não está na memorização de determinados elementos, mas na incapacidade de raciocínio de inclusão e interseção de classes, por exemplo: o morcego estará no agrupamento de animais que voam, mas não estará nas aves, estará incluindo na classe dos mamíferos domésticos e úteis, e assim por diante. Estas questões serão fáceis, ou mais difíceis, dependendo do desenvolvimento das estruturas do pensamento do aluno e de seu funcionamento, assim como na capacidade de o professor provocar a reflexão.
As situações de avaliação da aprendizagem, quando mal conduzidas, são geradoras de um excesso de ansiedade que se torna insuportável para o aluno, chegando à desorganização de sua conduta, o que acarreta o fracasso na produção escolar.
A aprendizagem verdadeira exige um nível de ansiedade ótimo, ela sempre se dá acompanhada de uma "ansiedade paranóide" pelo perigo, representado pelo conhecimento novo (o medo do novo) e de "ansiedade depressiva" pela perda que se da de um esquema referencial e certos veículos que estariam envolvidos na aprendizagem. "Não é somente o novo que produz o medo, mas sim o desconhecido que existe dentro do conhecido" (Bleger, p.91).
É necessário que os pais e professores fiquem atentos a esses fatos, não sobrecarregando as crianças emocionalmente as crianças com expectativas e exigências elevadas, que geram efeito contrário, bloqueando as reais possibilidades da criança.
Tenho encontrado casos em que as crianças acumulam em sua pequena "história de vida", até os 7 anos, muitas perdas como mortes de pessoas queridas, mudança de casa, de escola, separação dos pais, etc. Essas crianças com baixa resistência à frustração, ficam muito fragilizadas para possíveis perdas escolares e chegam ao ponto de não tentar, não "investir" para não agüentar novas perdas.
É preciso dar-lhes atenção especial em sala de aula, não só e, situações normais da aprendizagem.
Quando a avaliação psicopedagógica é de uma criança em processo de alfabetização, a questão exige uma reflexão maior sobre o ambiente alfabetizador. Alfabetizar é penetrar num novo mundo, é mudar o eixo referencial da vida. É transformação tão grande, como a posição ereta aos 12 meses ou início da fala aos 24 meses. O domínio da língua escrita dá à criança uma autonomia ao mesmo tempo prazerosa assustadora.
É comum encontrarmos caos clínico de paralisação no processo de domínio da língua escrita em função do conflito instalado entre a aprender-crescer e a perda das vantagens de ser analfabeto, de ser "pequeneninho", dependente, ter o papai e a mamãe lendo histórias e tudo mais. O prazer da independência conflitua com o desejo da dependência.
Com as pesquisas de Emílio Ferreiro, Ana Teberosky e colaboradores sobre a psicogênese da língua escrita mudou-se a concepção de alfabetização, o que acarreta de imediato o reposicionamento das chamadas patologias nessa etapa da aprendizagem.
Alfabetização não pode mais ser vista como a transmissão de um conhecimento pronto, que para recebê-lo a criança teria de ter desenvolvido as chamadas "habilidades básicas", possuir pré-requisitos, enfim, apresentar uma "prontidão". A alfabetização é construção resultante da interação da criança com a língua escrita e como diz Telma Weisz (1988) "uma construção que não é linearmente cumulativa, pois se trata de um processo de objetivação no qual o sujeito continuamente constrói e enfrenta contradições que o obrigam a reformular suas hipóteses. Um processo dialético através do qual ela se apropria da escrita e de si mesmo como usuário-produtor da escrita".
Os "distúrbios", como troca, omissão, inversão de letras, perdem totalmente o sentido quando encaramos essa ocorrência como "ensaios da escrita", acompanhando as hipóteses formuladas pela criança em relação ao que ela pensa que é a escrita ao mesmo tempo começa a fazer a leitura de seus próprios textos. A exigência feita por alguns professores, não atualizados no assunto para que a criança inicie sua alfabetização formalizando escrita segundo certas regras e dentro de prazos estipulados, pode ser desastrosa, gerando grandes dificuldades nessa etapa e tendo conseqüências posterior desse processo de domínio da língua escrita.
É necessário que os pais fiquem atentos para que seus filhos não sejam penalizados pelas grandes falhas metodológicas da escola, que ocorrem nas classes de alfabetização.
O desrespeito à criança, no seu ritmo de construção da leitura e escrita, poderá gerar tanta ansiedade, que as necessidades formadas estancarão o processo. Essas situações também podem ser provocadas pelos próprios pais, quando introduzem exercícios alternativos que se chocam com a orientação da escola, ou mesmo, quando eles próprios ficam excessivamente ansiosos, depositando suas expectativas exageradas em cima dos filhos.
Quando a família tem a possibilidade, social e econômica, de escolher a escola ideal para seus filhos, é importante que reflita sobre alguns aspectos:
1º) A escola escolhida tem a mesma ideologia, filosofia de educação que a família? Pr Exemplo: em casa, os pais são adeptos da liberdade excessiva, do "laissez-faire" na educação dos filhos e os colocam em escola rígida, formal, para "discipliná-las", ou mesmo, situação oposta: escola liberal versus família rígida. Tal fato é sempre gerador de grandes conflitos para a criança, podendo atingir a sua produção escolar. 2º) Família sem prática religiosa matricular as crianças em escolas confessionais de qualquer religião, que cobraram dela certas práticas e atitudes coerentes. 3º) A metodologia da escola exige a participação dos pais nos trabalhos de casa, "pesquisas" diversas, saídas com os filhos, comparecimento a reuniões e festinhas curriculares, etc., enquanto os pais se recusam a faze-lo, ou trabalham fora e chegam tarde, não podendo realmente cumprir essas solicitações. 4º) O tamanho e organização da escola em relação à personalidade da criança. Há crianças que se intimidam, ficam "perdidas", sem assistência em escolas muito grandes, com turmas imensas, salas superlotadas. Elas sentir-se-ão melhor em escolas pequenas, mais acolhedoras, menos "ameaçadoras". Por outro lado, há crianças que gostam de grandes grupos, muito espaço, atividades diversificadas.
É necessário que a família procure conhecer, o melhor possível, a escola que vai escolher para seus filhos, que tipo de homem pretende formar, sua metodologia de ensinam, formas de avaliação, normas disciplinares, atualização de professores, etc. Buscar como já dissemos anteriormente, uma coerência entre as expectativas da família e o que a escola pode realmente pode oferecer.
Consideramos de fundamental importância que se atente para esses fatos durante o processo diagnóstico, aliando-se a essa reflexão a análise dos procedimentos da escola, do material usado, estudo da produção da criança, análise do estágio evolutivo geral da criança, expectativas da escola e da família em relação à produção infantil.
A prática escolar desarticulada deixará o aluno expostas idiossincrasias do professor, ou mesmo, às conseqüências de fatos episódicos como: doenças, greves, problemas administrativos, etc. A dificuldade, observada por um docente, inexiste para outro, e nessa descontinuidade segue o aluno ao "sabor das ondas", i9ndicado até para atendimentos específicos.
Como bem situa M. André (1990), a escola não transmite apenas conteúdos, mas também, modos de ver e de sentir o mundo, a realidade e o conhecimento. Assim, há que se pensar muito seriamente em como se quer estruturar a trabalho pedagógico na escola, porque seu impacto na qualificação do professor e na qualidade do ensino em sala de aula é inquestionável (p.68).
A escola sem diretriz teórica, ou uma linha de ação comum, de trocas constantes entre os professores, vivendo com freqüência conflitos interpessoais entre administração, corpo docente e técnico, tem ação negativa sobre o aluno, como bem esclarecer Begler (1980):
A instituição em que se oferece o ensino deve, em sua totalidade, ser organizada como instrumento de ensino e, por sua vez, radicalmente e permanentemente problematizada. Os conflitos de ordem institucional transcendem, de forma implícita, e aparecem como distorções do próprio ensino. Os conflitos não explicitados nem resolvidos no nível de organização institucional canalizam-se nos níveis inferiores, de tal maneira que o estudante se torna uma espécie de recipiente no qual os conflitos poderão cair e causar impacto (p.60).
É fundamental, num diagnóstico, contextualizar o sujeito tanto na família quanto na escola, e na sociedade que perpasse as duas vertentes anteriores, por esse motivo, análise da escola deve ser feita em todos os níveis: administrativo, pedagógico e da relação constante da sala de aula.
Descendo do nível institucional escola sal de aula, concluímos que há questões que se refletem na produção do aluno ou mesmo na formação de dificuldade de aprendizagem , a partir da metodologia de ensino e da relação professor-aluno.
A sala de aula, como diz Luzia de Maria (1994), é um espaço privilegiado de encontro em que o professor tenta dar a todos a mesma oportunidade, mas necessita, ao mesmo tempo, dar a cada um, na sua própria dimensão psicológica e sociocultural, aquilo que permitirá o encontro, e não a construção de desencontros. Os desencontros nas salas de aula levam à formação de dificuldades de aprendizagem.
Este espaço necessita sempre ser lugar do "prazer de conhecer", ao mesmo tempo que proporciona o aluno a oportunidade de troca, de compartilhar a construção coletiva do conhecimento, em que somente trabalhos em grupos, bem mediados pelo professor, produzem efeito. A má condução das atividades coletivas leva o aluno à fuga da situação de aprendizagem, ao isolamento, rejeição às tarefas, a bloqueios "reativos" na sala de aula.
É fundamental que o professor ressalte os traços positivos, valorizando a parcela, mínima que seja, da contribuição da criança para o sucesso da tarefa realizada em grupo. O "massacre" sofrido por algumas crianças nos chamados trabalhos de grupo em que o professor "passa o trabalho", as crianças realizam sozinhas ou com ajuda dos pais de alguns, tem sido responsável por condutas aversivas. Em tais situações as crianças vão construindo formação reativa a determinadas meterias escolares, ou mesmo a escola em geral. Essas condutas vão se tornar "preocupações" da escola que, em momento posterior, acaba encaminhando a criança para uma avaliação após fracassos sucessivos, como se a própria escola fosse responsável pela situação.
A terapia mais fácil e simples para o ser humano é a "terapia de sucesso"; por que a escola insiste em criar situações para o fracasso do aluno, para posteriormente trata-lo? Evitemos situações confusas e desastrosas e teremos menos "dificuldades" de aprendizagem. Seguindo a visão construtiva na produção do conhecimento, qualquer professor partirá do que o aluno já sabe, do conhecimento já incorporado para que novas informações surgidas na sala de aula possam ser construídas, permitindo a verdadeira operacionalização da realidade. Em inúmeros autores piagetianos já aparece a valorização do "ponto de partida" na interação do sujeito com o meio para a construção do novo conhecimento, que seria o "ponto de chegada" desejado pelo professor. Vigotsky já dizia que, quando a criança chega à escola, sempre já sabe alguma coisa. A não-valorização do saber infantil na sala de aula pode ser o ponto de partida para a construção de dificuldades de aprendizagem.
A passagem de atividades individuais a coletiva só é feita sem problemas, de forma tranqüila, quando proporciona em clima favorável, se constrói um ambiente de confiança mútua em que a sensibilidade e a observação de todos se aguçam, mantendo a unidade dialética indispensável. Bebler (1980) assim afirma:
Ensino e aprendizagem constituem passos dialéticos inseparáveis, integrantes de um processo único em permanente movimento, porém não só pelo fato de que, quando existe alguém que aprende, tem de haver outro que ensina, como também em virtude do princípio segundo o qual não se pode ensinar corretamente, enquanto não se aprende e durante a própria tarefa de ensino (p.57).
Somente a "paixão de ensinar" demonstrada pelo professor pode conduzir o aluno à "paixão de aprender" na sala de aula.
Esta relação professor-aluno está, ao nosso ver, especificada num contexto psicopedagógico, por Sara Pain (1986) e Alicia Fernandez (1990), quando esta última chama a atenção para a relação ensinante-aprendente. Begler (1980) afirmava essa posição quando dizia:
Em uma cátedra ou em uma equipe de trabalho, a simples colocação da necessidade de interação entre ensino e aprendizagem ameaça romper estereótipos e provoca o "aparecimento de ansiedades"; esta reação implica um bloqueio, uma verdadeira neurose do LEARNING, que, por sua vez, incide sobre os estudantes como "distorções da aprendizagem".
O corpo docente teme a ruptura do status e o conseqüente caos e, neste sentido, é necessário analisar as ansiedades de ficar "nu", sem status, diante do estudante, que aparece então com toda a magnitude de um verdadeiro objeto persecutório; deve-se criar a consciência de que a melhor "defesa" é conhecer o que se vai ensinar e ser honesto na valorização do que se sabe e do que se desconhece. Um ponto culminante desse processo é o momento em que aquele que ensina pode dizer "não sei" e admitir assim que realmente desconhece algum tema ou tópico do mesmo. Esse momento é de suma importância, porque implica, entre outras coisas, o abandono da atitude de onipotência, a relação interpessoal, a indagação e a aprendizagem, e a colocação como ser humano em frente a outros seres humanos e frentes às coisas tais como elas são (p.57 e 59).
Essa horizontalidade na sala de aula permite ao professor "descer do pedestal" e ver cada aluno como realmente é, que conhecimentos já traz, como funciona o dia-a-dia, para concluir sobre as diferenças e sobre os aspectos comuns, as possibilidades de criação individual e coletiva, erros construtivos individuais e os feitos no coletivo. Tal procedimento do professor já há muito é apontado por pedagogos como Freinet (1947), quando fala da "pedagogia das águias", em que a águia, como algumas crianças, jamais subirá a escada do modo pelo qual o professor treinou. Por sua vez, Makarenko, em Poema pedagógico, referenciado por Capriles (1989) já apontava a necessidade de o professor sempre ressaltar os traços positivos, valorizando a parcela de contribuição de cada aluno, por menor que seja, para o sucesso da proposta, da tarefa realizada, isto combina com sua afirmação: "Exigir o máximo da pessoa e respeita-la ao máximo".
Já é lugar comum falar-se que a escola reflete a sociedade em que está inserida no tempo e espaço. Que relações podemos fazer entre esta constatação e as dificuldades de aprendizagem?
O que será a escola brasileira do Terceiro Milênio? O que é a escola "para a modernidade" e a "escola tradicional"? Quais as diferenças concretas que chegam à sala, nos anos 90?
A educação brasileira tem vivido, através de décadas, de pesquisas e discursos inovadores produzidos, basicamente, nas Universidades, e de nenhuma prática inovadora que se generalize no cotidiano da sala de aula, nas escolas particulares e públicas. Por essa razão, aceitamos as idéias de autores como Freinet e Makarenko como absolutamente atuais.
Já dizia Freinet (1947) citado por Leite Filho (1994):
A escola tem de reencontrar a vida, mobiliza-la e servi-la, dar-lhe um objetivo, e para isso, deve abandonar as velhas práticas e adaptar-se ao mundo do presente e do futuro (p.36).
Como bem situa Leite Filho (1994) a chamada modernização da escola não significa a compra de moderna tecnologia da educação, circuito de TV e vídeo, laboratórios, informática de ponta, etc., mas sim a transformação mais profunda nos processos psicológicos e pedagógicos. Destacaremos algumas sugestões apresentadas pelo autor em "Educação para modernidade":
1º) Admitir que hoje a mídia é extremamente competente na transmissão de informações, superando em muito os métodos e técnicas de ensino tradicionais. 2º) Considerar conteúdos como janelas (meios) que abrem a visão para o mundo que cerca o aluno.3º) Partir do princípio que o homem é um anima multimídia, ou seja, ao contrário de considerá-lo um animal fraco e incompetente, desprotegido e medíocre, acreditar na sua capacidade de multiprocessamento paralelo de informações, recebidos através de diferentes formas e meios.4º) Compreender que hoje nossa sociedade, não obstante se caracterize por grandes desigualdades sociais, é uma civilização video-gráfica e, portanto a "escola não poderá prescindir destes recursos" sob pena de, em breve, termos um novo alfabeto, o "teleanalfabeto".5º) Admitir que os alunos hoje estão no auge de uma busca de meios de expressão.6º) Utilizar tecnologias como meio i não como fim.7º) Deixar os alunos pensarem. 8º) Permitir que a escola seja viva, tenha vida (p.37).
Consideramos que uma boa escola não pode ser patologizante, isto é, não pode provocar "formações reativas" e "inibições"em seus alunos, quanto à aprendizagem escolar. Ela deve, acima de tudo, ser estimulante, ser provocadora da busca do conhecimento, criar o ser desejante de aprender. Para isso, a função dos profissionais da área da Educação deveria ser:
1º) melhoras condições de ensino, para serem os professores mediadores do crescimento constante da aprendizagem dos alunos, e assim, prevenir dificuldades da produção, escolar; 2º) proporcionar meios, dentro da escola, para que o aluno possa superar dificuldades na busca do conhecimento, anteriores ao seu ingresso na escola; 3º) atenuar ou, no mínimo, contribuir para não agravar os verdadeiros problemas de aprendizagem, nascidos ao longo da história do aluno e sua família.
Somente uma boa avaliação psicopedagógica do fracasso escolar de uma criança pode descindir e ponderar devidamente "o que" e "o quantum" é da criança, da escola, da família. É importante considerar a interação constante dos três vetores, na construção das dificuldades de aprendizagem apontadas pela escola.
Maria Lúcia Lemme WeissPsicopedagoga, Pedagoga e Psicóloga, mestre em Psicologia PUC-RJ, professora adjunta da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ, Ex-presidente da ABPp-RJ, autora do livro: Psicologia clínica - Uma visão diagnóstica dos problemas de aprendizagem escolar.


http://www.abpp-rj.com.br/abpp-rj/novo_artigo04.htm

Nenhum comentário:

Postar um comentário